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BNZ em foco

Programa de Estímulos à Conformidade Tributária - “Nos Conformes"

Publicada em: 25/09/23

11/07/2018

 

Foi publicada em 06 de abril de 2018, a Lei Complementar Paulista n. 1.320 que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária - “Nos Conformes”.

Recebida de forma positiva por especialistas da área, ela traz disposições louváveis a fim de não apenas diminuir o contencioso tributário do Estado de São Paulo, como também melhorar a relação entre o fisco e contribuinte.

Da leitura da exposição de motivos, nota-se a intenção do legislador em “estabelecer paradigma positivo e inovador de relacionamento entre o fisco e contribuinte, orientado a facilitar, colaborar e promover o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias do ICMS”.

Entre os valores escolhidos como norteadores do Programa, foram privilegiados os princípios da: (i) simplicidade; (ii) segurança jurídica; (iii) transparência; (iv) concorrência leal e; (v) boa-fé e previsibilidade de condutas, visando garantir a confiança legítima entre o fisco e o contribuinte.

Entre os objetivos do “Nos Conformes”, se encontra a classificação dos contribuintes em categorias que possibilite à Secretaria da Fazenda do Estado concentrar maiores esforços na fiscalização dos devedores contumazes, os quais ficarão sujeitos a regime especial para cumprimento das obrigações tributárias. De igual modo, a nova Lei visa propiciar aos “bons pagadores” alguns benefícios, como acesso ao procedimento de Análise Fiscal Prévia. Por esse benefício, poderão ser realizados trabalhos analíticos ou de campo, pelos Agentes Fiscais de Rendas, sem objetivo de lavratura de auto de infração e imposição de multa.

A classificação adotada pela lei de conformidade tributária será de “A+” até “E”, e levará em consideração o grau de exposição a riscos de descumprimento das obrigações tributárias. Para tal classificação o Agente Fiscal de Rendas deverá considerar 3 critérios: (i) pagamento dos tributos declarados; (ii) consistência entre as notas fiscais emitidas e a escrituração declarada; e (iii) preferência por fornecedores que representem em sua maioria contribuintes com regularidade tributária.

Nesse sentido, o art. 5º da Lei dispõe que: “Para implementação do Programa ´Nos Conformes`, com base nos princípios, diretrizes e ações previstos nesta lei complementar, os contribuintes do ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação serão classificados de ofício, pela Secretaria da Fazenda, nas categorias “A+”, “A”, “B”, “C”, “E” e “NC” (Não classificados), sendo esta classificação competência privativa e indelegável dos Agentes Fiscais de Rendas: (...)”.

O programa já vem sendo colocado em prática pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, como, por exemplo, a campanha de credenciamento ao Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC) que teve início no começo do mês de maio. O objetivo é conscientizar as empresas e seus representantes sobre a importância do uso desta ferramenta de orientação tributária. Conforme informações do site da SEFAZ, o DEC permite a que as empresas sejam avisadas sobre eventuais erros no cumprimento de determinadas obrigações tributárias ou de comportamento irregular, permitindo sua regularização espontânea, sem a necessidade de lavratura de auto de infração.

Ocorre que, não obstante a lei paulista busque dar maior efetividade à boa-fé e confiança nas relações entre fisco e contribuinte, é certo que essas normas e políticas de conformidade fiscal que privilegiem os “bons pagadores”, devem também respeitar os direitos fundamentais do contribuinte, de modo a evitar que esse tratamento distinto, reserve apenas aos bons pagadores o direito de todos a receber do estado serviços públicos eficientes.

Ainda que sejam inquestionáveis os pontos positivos da Lei Complementar n. 1.320/2018, o Poder Executivo ao exercer o poder regulamentar deverá ficar atento para que o propósito não se desvirtue e acabe resultando em aplicação de sanções políticas já rechaçadas pelo Supremo Tribunal Federal ao teor das Súmulas n. 70[1], 323[2] e 547[3].

A preocupação na regulamentação da lei, em especial quanto à amplitude dos poderes outorgados ao Poder Executivo, surge, e.g., nos parágrafos do art. 5º. Pelos seus enunciados alguns critérios de classificação serão estabelecidos na forma e condições do respectivo regulamento. Há, neste ponto, preocupação quanto aos limites do poder regulamentar e o respeito à tripartição de poderes, já que como muito bem exposto por Geraldo Ataliba, “Não tolera a nossa Constituição que o executivo exerça nenhum tipo de competência normativa inaugural, nem mesmo em matéria administrativa.”[4]

Ademais, é sempre bom lembrar a dificuldade das pequenas e médias empresas em suportar a carga tributária e os custos de conformidade existentes hoje no Brasil,  de sorte que o Programa de Estímulos à Conformidade Tributária poderá resultar, ao contrário do pretendido, em privilégios às grandes empresas , na medida em que na maioria das vezes serão os pequenos empresários os submetidos a regime especial mais severo e procedimentos mais burocráticos para cumprimento de suas obrigações tributárias.

A exemplo disso, o próprio critério de classificação dos contribuintes pela preferência por fornecedores que representem em sua maioria contribuintes com regularidade tributária, poderá fazer com que aqueles melhor classificados no programa optem em efetuar operações apenas com outros contribuintes bem classificados, e nesse sentido, por via reflexa e ao contrário do que proposto pelo programa “Nos Conformes”, a situação de desigualdade entre algumas empresas poderá se agravar.

Ainda que a finalidade seja a de diminuir o contencioso tributário, é certo que o Fisco já possui meios próprios de fiscalização e arrecadação de devedores contumazes. Logo, a criação de mais um regime especial para cumprimento das obrigações tributárias pode burocratizar mais do que simplificar a fiscalização[5].

Assim, representando um avanço na relação fisco-contribuinte, o Programa de Conformidade Tributária instituído pela Lei Complementar n. 1.320/2018 representa um incentivo aos contribuintes paulistas à manutenção da regularidade fiscal, ao passo que apenas serão considerados para fins de aplicação dos critérios de classificação, os fatos geradores ocorridos após a data de publicação da Lei, ou seja, 06 de abril de 2018.

No entanto, é preciso aguardar sua regulamentação para verificar na prática quais serão os objetivos e resultados obtidos. Sendo necessário cautela da Poder Regulamentar para que não surjam efeitos colaterais indesejados do Programa de Estímulos à Conformidade Tributária.


[1] É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
[2] É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos
[3] Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
[4] ATALIBA, Geraldo. Poder Regulamentar do Executivo.  Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. Vol. 4, p. 461-492, maio/2011 – DRT\2012\1119.
[5] Não é a primeira vez que o Estado de São Paulo cria regime especial para cumprimento de obrigações tributárias, e neste sentido o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 529.106- AgR, sob relatoria da Ministra Relatora Ellen Gracie, entendeu que “o regime especial do ICMS, mesmo quando autorizado em lei, impõe limitações à atividade comercial do contribuinte, com violação aos princípios da liberdade de trabalho e de comércio e ao da livre concorrência, constituindo-se forma oblíqua de cobrança do tributo e, por conseguinte, execução política, repelida pela jurisprudência sumulada deste Supremo Tribunal Federal.”

 

Juliana Amaral

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